sábado, 6 de agosto de 2011

Comunidade Terapêutica de horrores, maus tratos, tortura, sadismo e outro PASTOR



TORTURA NUNCA MAIS ?!

Drogas - A casa dos horrores

Fonte: Zero Hora

Ao tentar escapar de um drama, o motorista Adriano Seres de Abreu, 33 anos, diz ter conhecido outro em 15 de março - MAURO GRAEFF JÚNIOR

Para expurgar o crack de sua vida, Adriano procurou a Cidade do Refúgio, uma comunidade terapêutica que recebe dependentes químicos em Guaíba. Conta ter passado por dois meses de intimidações, surras diárias e até choques elétricos - justo no lugar onde esperava achar a redenção.

- Quando cheguei, um cara pegou uma cartela com remédios e mandou eu tomar. Eu disse: "Eu não vou tomar isso aí. Não sei que remédio é esse". Na segunda vez que falei que não tomaria, levei um soco na boca do estômago. Aí eu já vi que estava em maus lençóis - afirma.

Próprios dos livros de história medieval, relatos como o de Adriano recheiam 400 páginas recém-concluídas pela Polícia Civil e entregues sexta-feira à Justiça. O documento aponta práticas de tortura, maus-tratos e cárcere privado nas cinco unidades da comunidade terapêutica, que atendiam a 355 pessoas de 20 municípios. O proprietário, o pastor Tarcílio Quirino, e dois monitores estão presos preventivamente. Além deles, outros seis monitores - dois deles foragidos - foram indiciados por 11 crimes. Mais de 60 ex-internos asseguram à polícia e ao Ministério Público (MP) que choque elétrico, agressões a pauladas e corte nos pés eram comuns.

- Havia prática de tortura, com castigo pessoal contra os internos que tentavam fugir ou não cumpriam estritamente as ordens dadas, muitas vezes por puro sadismo - diz a promotora Cinara Vianna Dutra Braga.

Cinara descobriu as agressões por um jovem que, ao escapar do centro, procurou o Ministério Público. O depoimento deu a partida nas investigações e levou a promotora no dia 6 à unidade Logradouro, a 12 quilômetros da área central da cidade, onde havia 120 homens que rezavam numa sala improvisada como capela.

Com um mandado de busca e apreensão nas mãos, ela chegou ao local acompanhada da Brigada Militar. Só encontrou pedaços de pau e uma espada. Até aquele momento, ela tinha só suspeita das agressões. Foi quando escutou um grito desesperado.

- Doutora, me tira daqui! Estou apanhando. Quero sair.

Castigos começaram há oito meses, dizem ex-internos

Cinara preferiu a cautela. Desconfiou de que fosse apenas um ataque de abstinência de um dependente químico, mas perguntou:

- Quem está aqui contra sua vontade? Quem quer ir embora?

Como resposta, ela viu subirem as mãos de 50 jovens, que reclamavam de tortura. Ali, a queixa do interno fugitivo começava a se confirmar.

Um grupo de 17 jovens foi retirado do local e levado à delegacia. Outros 31 homens foram embora no dia seguinte. Iria começar a seqüência de relatos dramáticos.

- Fui queimado com uma concha de feijão quebrada, aquecida em um fogão a lenha. Cortaram meus pés com uma espada - descreveu um jovem de 19 anos em um dos primeiros depoimentos.

Dependentes afirmam que as agressões partiam dos monitores (os "obreiros"), que não admitiam desrespeito às regras rígidas da casa, como as tarefas na horta e horários das refeições. Os castigos teriam começado há oito meses, com o conhecimento do pastor Quirino, garantem os ex-internos.

- O pastor sabia das agressões, presenciava e instigava - sentencia a delegada Tatiana Bastos.

As cinco unidades da Cidade do Refúgio, onde Quirino pregava a palavra de Deus, estão abandonadas. Só em uma delas há oito internos que se negam a sair. Elas foram interditadas pela Vigilância Sanitária, e o MP solicitou à Justiça o fechamento. Ficaram camas reviradas e cartas anônimas em que ex-internos contam o terror. Em uma delas, um jovem rabiscou:

"Sou um drogado, mas não mereço ser humilhado e tratado como um bicho, ser massacrado por quem nunca vi na vida, o meu Deus."

As queixas - Confira as reclamações dos ex-internos, citadas à Polícia Civil e ao Ministério Público:

Corte na sola dos pés - Os monitores usariam uma espada para cortar a sola dos pés dos jovens capturados tentando fugir. A espada também teria sido usada contra o pescoço dos dependentes para ameaçá-los

Queimaduras - Repelentes para mosquito (tipo boa-noite) serviriam para queimar os pés dos "rebeldes". O castigo geralmente ocorria quando quando os internos estavam sob efeito de medicamentos

Escavação de buracos - Quem descumpria as regras seria obrigado a cavar buracos no pátio. Haveria duas formas principais para cumprir essa punição: a escavação de um buraco com dois metros de profundidade com pá e picareta e a escavação com uma colher de sopa, considerada a mais cruel. Internos ficariam até quatro horas cavando na terra. Se a colher quebrasse, o trabalho precisava seguir mesmo sem o cabo

Choques elétricos - Um aparelho artesanal com fios e transformadores serviria para dar choques. As descargas seriam aplicadas nas orelhas, nos braços e nos dedos

Afogamento - Os jovens sofreriam afogamento em uma fossa e num açude que havia nos fundos de uma das casas. Os monitores mergulhavam os internos por segundos e depois os deixavam respirar

Surra - É o método mais citado. Pedaços de paus seriam usados para castigar quem pedisse para ir embora. Jovens também teriam sido vítimas de socos e pontapés

Espancamento mútuo - Internos teriam sido obrigados a bater em colegas, sob pena se serem espancados se não cumprissem a ordem. Um jovem contou que foi forçado a dar socos e pontapés em um amigo dele e depois obrigado a apanhar quieto

Medicamentos - Os jovens seriam obrigados a tomar medicamentos para adormecer. Um deles contou que chegou a dormir por três dias e três noites



Para defesa do Pastor, as queixas são equivocadas

Defensora do pastor Tarcílio Quirino, a advogada Andréia Fioravante diz que ele nunca presenciou agressões no local. Andréia admite que pode ter havido brigas internas, mas sem consentimento da direção.

- Se aconteceu alguma agressão, foi à revelia de Quirino - observa.

Para ela, alguns depoimentos podem ser fantasiosos:

- A maioria dos depoimentos é de internos que estavam lá há pouco tempo, naquele período crítico de abstinência. Quase todos eram usuários de crack, que, quando ficam em abstinência, têm confusões mentais.

A defesa lamenta o episódio, porque arranha a imagem da Cidade do Refúgio. Ela conta que a instituição já atendeu a mais de 2 mil pessoas, entre dependentes e familiares.

- Muita gente era recuperada das drogas por ele. Seu trabalho cobria um lacuna deixada pelos gestores públicos - sublinha.

Andréia tenta conseguir no Tribunal de Justiça a liberdade do pastor, que está no Presídio Central. A Justiça de Guaíba já negou dois pedidos de liberdade.

Boa oratória consolidou prestígio. Bastavam dois minutos de conversa com o pastor Tarcílio Quirino para ele apresentar seu cartão de visitas:

- Meu amigo, eu estive preso no Carandiru (complexo de presídios desativado em São Paulo) por envolvimento com drogas e roubo. Encontrei Deus e me recuperei.

Foi com esse discurso que conquistou amigos e apoio para montar a primeira unidade da Cidade do Refúgio, há mais de 10 anos. Com boa oratória, fez amizades pelo Estado. Percorria gabinetes de parlamentares, freqüentava reuniões em órgãos públicos e visitava juízes. Recebeu homenagens até na Câmara de Vereadores da Capital. Alimentada pelo prestígio de seu dono, a Cidade do Refúgio conheceu o crescimento: em uma década, conseguiu criar cinco unidades (quatro para homens e uma feminina). Para angariar recursos, ele alardeava que só recebia contribuições voluntárias dos familiares - um discurso falso, para a delegada Tatiana Bastos.

- Ele cobrava em média R$ 400, mas temos casos de pessoas que pagavam até R$ 700 por mês - diz.

Respeitado em Guaíba, Quirino recebia mantimentos e roupas arrecadadas pela prefeitura e Justiça. Até 2007, a entidade era contemplada com uma verba municipal de R$ 2 mil mensais. As formaturas de jovens que largaram o vício eram prestigiadas por autoridades municipais. A suspeita do envolvimento do pastor com tortura sacudiu a cidade.

- No começo, não acreditei. Depois que assisti a quase 70 depoimento e vi as pessoas feridas, fiquei horrorizado. Acho que ele (Quirino) perdeu o controle - surpreende-se Jorge Santos, secretário de Ação Social Guaíba, que encaminhava jovens à Cidade do Refúgio.

"Nos últimos tempos, ficou muito cruel", diz Jovem de 18 anos, morador de Guaíba, que pediu para não ser identificado

"Fiquei nove meses lá. Passei 20 dias fora, mas tive uma recaída porque voltei a usar crack e minha mãe me internou de novo. Antes não era assim. Sempre houve intimidação, mas nunca vi agressão daquele jeito. Nos últimos tempos, a coisa ficou muito cruel. No terceiro dia depois da minha volta, me colocaram em uma salinha com cinco ex-drogados que trabalhavam na casa e comecei a ser agredido com tapas do rosto e socos na barriga. Pegaram um bastão e começaram a dar pauladas nas minhas costas, nas pernas e nos braços. Se reclamasse, apanhava mais. Mandaram eu ajoelhar na frente deles. Eu não ajoelhei porque falei que eles não eram Deus. Aí bateram na minha perna com um pau até eu cair (o jovem está internado em uma clínica com a perna inchada). A salinha de apanhar era chamada por eles de consultório ou confessionário. Diziam assim: Tu tem uma consulta com o doutor Camboim. Camboim era como eles chamavam os pedaços de pau. Levei choques no antebraço. Diziam que era para ficar esperto ".

"Nos primeiros 30 dias, levei umas 20 tundas", diz Adriano Seres de Abreu, 33 anos, morador de Porto Alegre

"Nos primeiros dias, agüentei pensando que, na outra semana, falaria com minha mãe, que iria me visitar. Eu tinha 24 dias de casa quando houve a primeira visita. Eles me chaparam de remédio e ligaram para minha mãe dizendo que eu não poderia receber visita. Eles não deixaram eu falar com ela porque sabiam que eu ia contar tudo. Vi que não adiantava fazer nada, aí me aquietei. Nos primeiros 30 dias de internação, levei umas 20 tundas. Em um dia, apanhei três vezes. Uma vez foi porque troquei com outro interno um tênis por um pacote de bolacha. Eu uso prótese no dente. Eles levaram um aluno para me bater. Até hoje minha prótese está quebrada por trás. Com a prótese quebrada, ainda me humilhavam mandando dar uma risada para todo mundo ver. Os caras (os monitores) eram muitos ruins. Muito ruins mesmo. Eram bandidos para caramba. Eles não queriam que ninguém saísse para não perder o dinheiro que recebiam."

Episódio expõe falta de fiscalização

Ligada ao governo federal, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) reconhece a falta de fiscalização de comunidades terapêuticas. Manoel Teles, coordenador de projetos, afirma que a secretaria discute alternativas para aumentar o controle sobre os centros, que se proliferam diante do aumento de dependentes e da deficiência no atendimento público. Carlos Alberto Salgado, coordenador do Departamento de Dependência Química da Associação de Psiquiatria do RS, observa que há ótimos trabalhos nas comunidades terapêuticas. Ele lembra dos cuidados para internar um dependente:

- A família deve ter acesso às dependências do local e ninguém deve ficar preso onde não quer.

Comentário do Bengochea - Este caso é mais uma prova da ausência e do desinteresse do Estado nas questões de ordem pública. Mesmo sendo as drogas a mola propulsora da violência e da criminalidade, o Estado só vê o aspecto repressivo e não enxerga a necessidade de investir na prevenção e no tratamento das dependências químicas, esquecendo seus efeitos e deixando de controlar quem trata visando o interesse financeiro. Quem deveria ser reponsabilizado são os governantes, por desrespeito à ordem, à saúde e aos direitos humanos.


TORTURA NUNCA MAIS ?!


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