terça-feira, 26 de julho de 2011

Vida dupla, dupla vida, quem é você?


Sabe, sempre tive muita pena de você. Sei da sua infância sofrida. Do que ocorreu com sua família quando seu pai faleceu. Da luta pela posse do que lhes pertencia, por direito, e a luta de outras pessoas, interessadas em partilhar uma herança, que não mereciam e que cuidavam ter, por caprichos e preconceitos. Seu primo me contou sua vida na fazenda, das suas limitações, da criança que se vê em um teatro trágico e, em dado momento, vê o mundo colorido desbotando enquanto a família vai sendo "esquartejada", com os filhos distribuídos entre famílias de amigos, daqui e dali. Deve ser horrível, este tipo de separação e a separação é um sentimento que sempre esteve presente em sua vida, como uma marca na alma que já não mais incomoda, porque se acostumou com a dor produzida pelas inúmeras perdas sofridas.
Como deve ter sido marcada por traumas esta sua infância, sobre a qual nunca quis falar. Sobre este assunto, reina em seu coração um absoluto silêncio. Lembranças de uma criança indefesa diante de adultos que cheiravam e fediam como animais, cheios de instintos carnais e sem qualquer consciência para ajuizar os próprios atos.
Ora aqui, ora ali e nisso tudo a família pulverizada um dia volta a se reunir. Criada em parte pelos pais, depois por terceiros, veio a conhecer a escola depois de grandinha. Imagine estar em uma sala onde só tem uma pessoa grandinha, tendo que conviver no meio das pequenininhas? E os preconceitos versus seus sentimentos dentro de uma escola de religiosas, onde veio a conhecer a inveja e o despeito. Seu mundo sofria rápidas mudanças, como se você fosse predestinada a elas. Vejo muita dor em sua vida e vejo que ainda resiste, que ainda é forte. Noto apenas nas rugas que se formam em seu rosto, que são marcas do tempo, seu descontentamento, sua inconformidade, suas interrogações sobre sua própria vida e sobre seu destino e não acha as respostas, apenas acha o que mais lhe convém achar, e essa conveniência abranda seu sofrer estampado, sem marca d´água, em seu rosto envelhecido, como se ele fosse reflexo do chão seco da terra do solo rachado, em tempo de vacas mortas pela falta do precioso líquido da vida, sem o qual perecemos.
Mais tarde chega o tempo em que afloram desejos e o primeiro amor chega ao coração e, não mais que de repente, o grande amor se encerra em uma cena de traição. Terrível cena, em plena praça, desfilando com outra, em seu lugar, sem ter lhe dito nada, em silêncio, na surdina... Doeu tanto que do riso fez-se o pranto e você viu o seu primeiro amor fugindo, em uma separação absurda para o pobre coração, da pobre menina, humilhada publicamente sem qualquer palavra pronunciada. Traída por quem ela julgava ser o seu primeiro namorando. Tudo isso  publicamente, em uma cidade pequenininha.
Dai em diante raiva, ódio, desejo de vingança, são sentimentos atrozes que se apossam do seu ser – que ainda guardava a rudeza da vida na fazenda, no meio do mato, como se fosse bicho. Nasce uma fera, que busca manter a ternura, mas será, doravante uma fera ferida. As amigas aconselhando isso e mais aquilo e nada dava certo. Vem o desejo de reconquistar o que perdeu e o desgosto é indisfarçável. Sua alma ficou tão confusa, tão embaralhada, sua visão fixou-se em um único ponto, lugar comum entre mulheres: homem não presta, são todos iguais! Dai então sua vida começa a mudar, outra vez...

Tempos depois, você sente vergonha em repetir de ano em sua cidade e parte, sozinha, para a capital, para viver em casa dos tios. Mais uma vez separada e desta feita sofre outras duas novas separações.

Na capital não tinha fiscais para tomarem conta de você, não haviam velas, não tinha nada daquele controle que as mães têm quando as filhas moram com elas. Estava separada, só, saudosa, mas já ambientada em outro tipo de selva, que não era mais o lugar da sua infância, nem da adolescência. Tudo era diferente.
Você deu para ver gente usando drogas e você não gostava de drogas, pois viu um irmão destruindo a própria vida, e isso lhe chocava e enraivecia. Mas na cidade grande rolam afinidades e estas acabam gerando relacionamentos enrrolados e você que já havia sofrido um trauma por conta da infidelidade... Julgou que também deveria ser livre, sem vínculos, movida apenas pelo instinto do prazer e cheira e sente o pecado sem amarras. Tantas dores iam lhe alterando a personalidade e você já se sentia sob efeito anestésico. Tudo lhe era indolor. Mas o sofrer não acaba nunca. Apenas dá uma trégua.
Imagine se você pudesse voltar na vida e corrigir todos os seus erros e os erros alheios, seria tão bom, mas isso não é possível.
Seu mundo pode mudar para melhor e você só precisa reconhecer suas verdades como verdades, ao invés de viver negando uma infinidade delas, todas reais, como os dois pintinhos que jogou na lata de óleo e escondeu de todos, até o dia em que o pai encontrou os pobres coitados. Dois pintinhos indefessos jogados dentro de uma lata de óleo sem uma explicação racional.  A aprendizagem da mentira nasce de necessidades, de auto-proteção, como suas negações. E você mente e mente, mas não mente para todos. Confia em quem faz o mesmo que você, em quem você, no seu julgamento, diz que “não presta” e, por isso mesmo, é igual a você, não é mesmo? Agora sentia o amargo de ser amada, mas recusada para casar. Amada por uns dias, depois virava página virada, descartada de qualquer folhetim barato. Você não é mais ingênua e bem sabe o que sua realidade representa. Continua a pensar novas ilusões, mas suas verdades tornaram-se insuportáveis quando a máscara caiu. Uma nova separação, que se seguirá de outra e de outras tantas. Seu sofrimento parece não ter fim, por que tem uma inquietude na alma, que lhe acompanha desde a infância perdida. Volte e veja se consegue se encontrar, talvez consiga. Sempre resta uma esperança, pense nisso e volte crescida, adulta, mulher de verdade, sem fantasias, com as marcas deixadas pelo destino que lhe foi cruel, mesmo nos momentos de prazer.

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